domingo, 21 de março de 2010

Adrenalina para todos

BDRA-56-Adrenalina para todos


Por Nikolas Capp Ribeiro Revista Terra da Gente August 2007
Ver original http://biodiversityreporting.org/article.sub?docId=26447&c=Brazil&cRef=Brazil&year=2008&date=August%202007
O ecoturismo radical abre uma nova porta para a inclusão social de deficientes. As adaptações de equipamentos e os testes já foram realizados em Socorro, no interior de São Paulo. Tem tirolesa, caminhada, rafting, bóia-cross, aqua-ride, off-road, arvorismo, rapel e cavalgada. Quem se habilita?
Uma tirolesa a 150 metros de altura com um quilômetro de extensão é desafio para qualquer um. Agora, imagine vencê-la mesmo quando parece ser impossível enfrentá-la. O prazer de superar o medo e ainda desfrutar o contato com a natureza são as sensações experimentadas pelos deficientes adeptos do ecoturismo de aventura no interior de São Paulo. E a tirolesa não é a única modalidade disponível: ainda tem caminhada, rafting, bóia-cross, aqua-ride, off-road, arvorismo, rapel e cavalgada. Mas a adrenalina deve estar sempre aliada à segurança, por isso a organização não-governamental Aventura Especial criou o Projeto Aventureiros Especiais e, com o apoio do Ministério do Turismo, trabalha na adaptação de roteiros para turistas radicais com deficiências físicas, sensoriais ou mentais.
A idéia surgiu durante a Adventure Sports Fair, considerada a maior feira de aventura da América Latina, em 2004. O destino escolhido como piloto é Socorro, município situado a 150 km da capital paulista, onde já existe uma estrutura para o ecoturismo de aventura.
Após discutir as diferentes necessidades de cada tipo de deficiência com fisioterapeutas, psicólogos e outros especialistas, os monitores capacitados pela ONG ouviram os próprios deficientes e fizeram laboratórios, colocando-se no lugar dos deficientes diante das dificuldades do dia a dia. Ao usar cadeiras de rodas, por exemplo, sentiram como uma escada pode ser um obstáculo. “Vivenciar cada tipo de necessidade ajuda a quebrar barreiras, pois passamos a entender a dificuldade. Isso ajuda muito na inclusão”, explica José Fernandes, proprietário das pousadas Campos e Parque dos Sonhos, de Socorro, ambas adaptadas.
Passada a etapa teórica, foram todos a campo. E dois dos organizadores da iniciativa se ofereceram como ‘cobaias’ para os testes. Adaíl (Dadá) Moreira, 42 anos, é o presidente e fundador da ONG. Descobriu ter ataxia — perda da coordenação dos movimentos musculares voluntários, como o movimento das pernas, braços e boca — há 12 anos. “Passei 2 anos achando que a vida tinha acabado. Essa doença não tem cura, tem que fazer fisioterapia”, conta. “Mas um dia pensei, não vou passar o resto da minha existência chorando, vou curtir minha vida como der”. Então partiu para o recondicionamento físico. A primeira pedalada numa bicicleta ergométrica durou menos de 15 segundos. Um ano depois, experimentava um rafting.
“Resolvi praticar o esporte, mas antes pesquisei de tudo: equipamentos, onde fazer. Queria saber se não atrapalharia as outras pessoas. Comprei o passeio um ano antes de fazê-lo. Na noite anterior ao rafting, eu não consegui dormir de ansiedade”, relata Dadá. Depois, ele desceu do bote com a expressão de “eu consigo” estampada no rosto, na forma de um belo sorriso. E desde então Dadá se empenha em quebrar os mais variados limites.
Com um currículo de respeito, reunindo aventuras como bóia-cross e pára-quedismo, era inevitável dividir as histórias com outros deficientes em um site na internet e incentivar todos a superar seus medos. A repercussão imediata resultou na criação da Aventura Especial. “Não adianta ficar em casa se perguntando o porquê isso aconteceu, é preciso viver, mesmo com dificuldades. Foi isso que o esporte de aventura e o contato com a natureza me ensinaram”, completa Dadá.
O outro ‘cobaia’ é Luciano Taniguchi, 32 anos, tetraplégico desde os 14 devido a um acidente em uma cachoeira. Hoje é vereador em Socorro e briga pelos direitos dos deficientes. Mas nos 10 anos seguintes ao acidente foi preciso ‘cuidar da cabeça’. A mudança de atitude veio com a compra de uma cadeira motorizada. Mesmo tetraplégico, Taniguchi mexe a mão esquerda e assim pode manusear a cadeira. “Comecei a rodar a cidade inteira, redescobrindo e retomando o tempo perdido”, diz. Ao descobrir a ONG Aventura Especial, logo tratou de levá-la para sua cidade. “Sempre me dei muito bem na natureza, mas foi difícil enfrentar o medo de retornar a uma cachoeira”, admite. “Quando fiz pela primeira vez um rafting, foi fantástica a sensação de conseguir. Daí pra frente não quis parar mais”.
Os dois participaram da adaptação de cadeiras especiais para tirolesa e rafting. A da tirolesa é totalmente maleável e se abre inteira para o deficiente entrar. “Hoje, quando alguma pessoa sem deficiência usa esta cadeira não quer saber da outra. Num futuro próximo, nós usaremos somente essa cadeira para todos”, afirma José Fernandes, o proprietário das pousadas adaptadas. Já a cadeira do rafting é mais firme e é usada junto com um colete salva-vidas especial. Com peso na parte da frente, o colete vira sozinho caso o deficiente caia na água, evitando o risco de afogamento.
Carlos Jorge Wildhagen Rodrigues participou da segunda bateria de testes, de adaptação dos equipamentos. Ele nasceu surdo e aos 10 anos começou a perder a visão, devido à Síndrome de Usher. Isso não o impediu de completar o 2º grau e trabalhar como digitador. Hoje é diretor-geral da Associação Brasileira de Surdocegos (Abrasc) e diretor de esportes e lazer do Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego e ao Múltiplo Deficiente Sensorial. O esporte sempre o acompanhou, o mergulho é seu favorito. Tem 26 medalhas em competições de natação para cegos. “Gostei muito de fazer o turismo de aventura, as adaptações ficaram muito boas, e os instrutores com o tempo pegam experiência e melhoram ainda mais”, comenta.
Roberto Ciasca, médico especialista do Centro Interdisciplinar de Atenção ao Deficiente da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (CIAD-PUCC), também no interior de São Paulo, explica que o mais importante do turismo de aventura não é a parte física, mas a parte mental. “O esporte gera inclusão, porque você tem uma troca de experiências em um ambiente positivo. No dia a dia ninguém tem paciência, mas nos dias de lazer facilita muito”, afirma. Ciasca coordena o projeto Dança para Todos, cujo objetivo é mostrar que qualquer um — deficiente ou não — pode ‘cair no samba’. Segundo ele, falta às pessoas acostumarem com a presença de deficientes na sociedade e isso deve começar desde a pré-escola. “A criança já cresce sabendo lidar com as diferenças. Não é preciso todos saberem linguagem de sinais, por exemplo, é preciso ter a humildade de perguntar para o próprio deficiente como os dois podem se comunicar. Isso é um sinal de respeito”, explica. E não pode existir superproteção. “Não precisamos que façam tudo para nós. É preciso deixar a gente se virar, quebrar as nossas barreiras. Podem fazer junto, mas não por nós”, endossa Luciano Taniguchi.
NÃO É FAVOR, É LEI
Segundo o artigo 5º da Constituição Brasileira de 1988, todos são iguais, sem distinção de qualquer natureza. Mas, na prática, não é bem assim. Sobram buracos nas calçadas e desrespeito com vagas para deficientes. Faltam rampas, sinais em braile para cegos, e por aí vai. Para a deputada estadual Célia Leão (PSDB-SP), o problema não está no papel: “Temos hoje uma das legislações mais avançadas para os deficientes no mundo. Falta muita coisa, mas não podemos reclamar de falta de leis”. Segundo a deputada – que é paraplégica – cresce o número de leis que saem do papel, como a cota de emprego para deficientes em empresas. Mas ainda falta capacitação para essa parcela da população, correspondente a 10% dos brasileiros, ou seja, 25 milhões de pessoas. “Hoje, os deficientes devem correr atrás de curso e se profissionalizarem, não podem ficar parados, esperando a vida passar. É preciso que os interessados cobrem os estabelecimentos, públicos e privados. Não adianta somente existir a legislação. É preciso fiscalizar, implantar. Isso não é favor, é obrigação de qualquer estabelecimento. Somos pessoas, temos o direito de ir e vir”.
SUSPENSO NO ESCURO
Um acidente automobilístico roubou a visão de Benedito Franco Leal Filho – o Neno – aos 8 anos. Trinta e um anos e alguns passeios na natureza depois, ele descobriu o turismo de aventura. E já experimentou escalada, rafting, espeleologia (cavernas) e mergulho. Em suas palavras:
“Antes de praticar pela primeira vez o turismo de aventura fiquei com medo de não conseguir. A ansiedade era muito grande. Todo mundo acha que para o cego fazer um rapel é mais fácil, já que ele não sabe em que altura está. Isso é um engano, pois além de sermos avisados antes, sentimos a força do vento soprando em nossas orelhas. Penso que é muito mais assustador saber a altura que está e não conseguir ver o que está fazendo. No dia a dia os obstáculos que vencemos são simples, como valetas e guias. A natureza não é tão simples, tem galhos que vem por cima e por baixo, além das raízes no chão. Não basta uma bengala é preciso um escudo. Por isso, o mais importante é confiar no instrutor, pois ele será os seus olhos. É muito gratificante estar na natureza, ouvir o canto dos pássaros, sentir o cheiro de ar puro, de terra e de água. A bengala traz a expectativa de obstáculos, mas a água traz sensação de liberdade, como se nada pudesse me machucar, me acalma. Depois vêm os sentimentos de superação e alivio por perceber que consegue enfrentar estes desafios. Estes dão mais firmeza para enfrentar as dificuldades rotineiras.
O turismo de aventura me deu mais vontade de conhecer artes, música e literatura. Sou apaixonado por Guimarães Rosa, mas não conseguia enxergar suas descrições da natureza. Agora consigo senti-las e saber exatamente o que ele quis dizer em cada uma”.
PARA SE AVENTURAR
Campo dos Sonhos
Tel: (19) 3895-3161
E-mail: atendimento@campodossonhos.com.br
Parque dos Sonhos
Tel: (19) 3955 2870
E-mail: contato@parquedossonhos.com.br

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