sábado, 20 de março de 2010

Dadá Radical Rafting, pára-quedismo e escalada são alguns dos desafios encarados por Dada Moreira

Inserida em: 12/1/2003

Reportagem: André Cortez
Revista Sentidos
Veja a resportagem original no link
http://sentidos.uol.com.br/canais/materia.asp?codpag=3438&cod_canal=3

Rafting, pára-quedismo e escalada são alguns dos desafios encarados por Dada Moreira

A imagem de piedade e negativismo que se costuma atribuir às pessoas deficientes é o inimigo número 1 de Dadá Moreira. Paulistano, 37 anos, há sete portador de ataxia espinocerebelar, uma doença degenerativa que afeta o equilíbrio e a coordenação motora fina, Dadá é fotógrafo profissional, pai de Caio e Beatriz, e praticante de esportes radicais como rafting, pára-quedismo e escalada indoor.

Contrariando a expectativa de muitos médicos que acreditam que as perdas provocadas pela ataxia são irrecuperáveis, Dadá garante ter conquistado melhoras significativas na fala e na coordenação desde que começou a praticar esportes de aventura. E o corpo não tem sido o único beneficiado por essas atividades. "Os esportes radicais são desafios psicológicos além de físicos e superá-los é muito gratificante", diz o fotógrafo cujo maior prazer é "ver o bicho pegar e sentir a adrenalina correndo solta nas veias". A vivacidade de Dadá e o seu otimismo ímpar dão a dimensão da importância do esporte na sua vida.
Numa conversa com a Sentidos, Dadá contou detalhes de como é praticar esportes radicais, o que pensa a respeito da inclusão social através do esporte e um pouco sobre a sua vida. Leia e saiba mais sobre esse aventureiro destemido.

Sentidos - Quais são os esportes radicais que você pratica?

Dáda - Pratico três vezes por semana escalda indoor e faço remo todas as terças e quintas na USP como um treino para o rafting, esporte que consiste em descer corredeiras de rio em botes infláveis. Também já fiz pára-quedismo e tirolesa. No mês que vem, vou para Brotas fazer cascading, que é rapel em cachoeiras, com o Carlos Zaith que é o pioneiro em cascadnig em canyons no Brasil

S - Quando começou a praticá-los?


D - Sempre gostei de praticar esportes, mesmo antes de surgir o problema da ataxia espinocerebelar, doença que ataca o cerebelo e afeta a coordenação motora fina e o equilíbrio, há sete anos. Praticava bicicross além dos tradicionais esportes com bola coletivos como futebol e vôlei. Com as limitações decorrentes da ataxia, acabei tendo que parar de praticar esses esportes. De uns três anos pra cá é que retomei as atividades físicas e foi então que começou essa onda de esportes de aventura. Descobri que é possível sim praticar esporte.

S - Por que optou por esses esportes ao invés de outros, mais "caretas", como natação?

D - Pratico esses esportes radicais primeiro porque gosto da emoção; sinto prazer de ver o bicho pegar, de ver a adrenalina correndo no corpo. Segundo, porque esses esportes são um desafio tanto para o corpo quanto para a mente. Eles impõem limites psicológicos além de físicos e supera-los é muito gratificante.

S - De que maneira a sua deficiência afeta o seu desempenho esportivo?

D - Com relação à escalada, por exemplo, não posso me considerar um escalador. È um esporte de alta performance que exige uma superação constante de limites. As paredes em que treinamos são divididas em vários níveis de dificuldade, caminhos até o topo, que recebem o nome de "vias". Ainda não consegui atingir as vias mais difíceis, que equivalem a escalar em rochas de verdade. Além de muita técnica, o esporte exige muito equilíbrio e coordenação.
O importante, no entanto, é dizer que me divirto praticando escalada, supero as minhas próprias barreiras ainda que não seja um escalador. E, nesse sentido, mais vale a força de vontade que a própria técnica. Alcançar o topo de uma parede é uma sensação incrível.

S - Quais são algumas técnicas para superar as barreiras impostas pela ataxia?

D - A ataxia espinocerebelar é uma doença degenerativa para a qual ainda não há cura. Apesar de vários médicos dizerem que as perdas provocadas por ela são irrecuperáveis, quero dizer que, através da prática do esporte, tive uma melhora significativa tanto na fala quanto na coordenação. A verdade é que a gente não pode se deixar abater e, principalmente, não pode ter a palavra do médico como definitiva, como uma sentença do que é ou não é. É possível questionar muita coisa que os médicos dizem mesmo porque há muito que eles não sabem. A gente tem que enfrentar a vida com disposição e alegria porque ninguém sabe o dia de amanhã.
Queria dizer também que todo mundo tem uma dificuldade. A diferença é que as dificuldades dos deficientes físicos são aparentes e, por estarem expostas, estão sujeitas ao julgamento imediato de todos. A princípio, pode parecer que elas são mais drásticas, mas não é verdade. Como disse, cada um tem suas dificuldades.
Com relação à palavra doença, de fato, a ataxia é uma doença, mas não a encaro dessa forma. Trato-a como um problema neurológico. Não me sinto doente apesar das minhas dificuldades de caminhar e falar. Levo isso relativamente numa boa. Quando a gente possui coisas legais, temos que aprender a vê-las. Graças a Deus, consigo ver muita coisa positiva na minha vida. Graças a Deus, sou muito feliz. Tenho uma família super legal que amo muito: meu filho Caio, de 4 anos, minha filha Beatriz, a Bia, de 7, que me dá a maior força e me apóia em todas as minhas iniciativas. Ouvi uma frase muito legal semana passada: Deus nunca fecha uma porta sem abrir uma janela. A gente sempre consegue se adaptar e superar as coisas com alegria porque tudo tem um jeito ou um caminho que cabe a nós encontrar.

S - Rafting, pára-quedas e escalada são esportes que envolvem trabalho em equipe?

D - Apesar de à primeira vista esses esportes serem esportes individuais, a gente conta muito com uma equipe. Os esportes de aventura têm uma legião de praticantes e simpatizantes que são pessoas que geralmente gostam de natureza e meio ambiente e têm uma sensibilidade mais apurada. É um clima muito legal em que todo mundo tem uma predisposição a dar uma força. Você nunca está sozinho. Sempre há uma mão estendida, palavras de apoio e incentivo.

S - Como a prática de um esporte pode melhorar a qualidade de vida de uma pessoa deficiente? Você, pessoalmente, se realiza praticando esportes?

D - Nossa, hoje o esporte é a minha vida. Como disse, sempre gostei e pratiquei esportes. Hoje, por necessidade e por prazer, faço exercícios físicos 90% do meu tempo. Inclusive, estou lutando pra ver se consigo criar uma categoria específica para deficientes nas competições de esportes radicais.

S - Qualquer um que tenha vontade de praticar um esporte radical pode fazê-lo?

D - Sem dúvida, qualquer pessoa pode praticar esses esportes. Adaptando o esporte às necessidades de cada um é possível praticá-los. E a primeira "adaptação" é ter vontade de encarar o desafio, físico mas também psicológico. O pára-quedismo, por exemplo, é um esporte radical. Mas, para realizar um salto duplo, basta vontade de pular, coragem pra subir no avião e saltar.
As pessoas não podem deixar de ter uma atividade física. Se para uma pessoa considerada "normal" o esporte é importante, para um deficiente físico ele é fundamental, só traz coisa boa. Cada deficiência exige uma adaptação, e elas são possíveis de serem feitas.

S - Você conhece outros deficientes que também praticam esportes radicais?

D - Tenho um amigo, o Robson Careca, que é cadeirante e surfa. Anda de cadeira de rodas na praia e pega onda. Além disso, estamos tentando montar uma equipe de rafting. Tenho encontrado alguma dificuldade pra achar atletas pra montar a equipe. Aproveitando a oportunidade, deixo aí o convite: se alguém quiser entrar em contato e quiser fazer um treino com a gente lá na USP, estamos abertos (e-mail do Dadá: dadamoreira@uol.com.br).
Acho que a dificuldade em montar essa equipe de rafting se deve ao fato de que o próprio deficiente tem uma limitação psicológica. Essa limitação é o que às vezes impede uma pessoa de praticar um esporte. O problema está na mente e não no corpo. O primeiro passo é derrubar essa barreira, não ter vergonha de sair na rua, de mostrar a cara. Enfim, o negócio é botar a cara pra bater e arrepiar porque o esporte é muito saudável. A vida, principalmente de uma pessoa deficiente, muda da água para o vinho e a gente não pode ficar muito preocupado com o amanhã e deixar de viver o hoje. Temos que viver o hoje intensamente, com prazer, alegria, felicidade. Vamos ser felizes hoje porque amanhã, adeus pra sempre.

S - Quais são algumas formas de se fomentar a prática de esportes no Brasil?

D - Acho que, a princípio, o governo tem que dar uma força, maiores incentivos fiscais para as empresas patrocinarem atletas. Segundo, acho que a imprensa, principalmente a imprensa televisiva, deveria dar maior cobertura não só para o esportista, mas também para o seu patrocinador. Essa maior visibilidade seria um grande impulso para o esporte. Você vê jornalistas por aí discursando que o esporte no país é precário, aquela ladainha toda, mas, na verdade, quem pode dar o maior apoio são eles próprios.
Queria aproveitar para citar a empresa que me patrocina e me dá uma força, a ADPO (Academia de Desenvolvimento Profissional e Organizacional), uma empresa de treinamento para executivos. Espero também sensibilizar outros empresários dispostos a investir aí no meu projeto de prática de esportes radicais, marketing esportivo e social, para ver se esse ano consigo me dedicar ainda mais a eles e quem sabe até diversificar as modalidades.

S - Como é possível promover a inclusão através do esporte?

D - Promover a inclusão através do esporte... Acho que o deficiente não pode se esconder, ter vergonha da deficiência dele. Ele tem que procurar freqüentar o clube, as associações desportivas para deficientes, etc. Sempre dá pra fazer alguma coisa, ir ao clube, pegar uma piscininha, começar a nadar ou fazer uma hidroginástica. Enfim, qualquer atividade física é muito legal.

S - Além da prática de esportes radicais, o que você faz da vida?

D - Minha formação é de jornalista; trabalhei vários anos nessa área. Sou formado em Direito também. Mas, na verdade, tenho um estúdio fotográfico. Sou fotógrafo profissional. Faço um tipo de fotografia chamada documental, que não é comercial. Ela trata do cotidiano das pessoas e dos lugares. Fotografo as coisas simples, corriqueiras, dos lugares que visito, sempre em PB. Gosto bastante. E pra viabilizar esse tipo de fotografia, faço fotos de produtos, fotos pra catálogos e folders, enfim, pra divulgação e publicidade. É isso aí.

S - Quais são os seus planos para o futuro?

D - Meus planos para o futuro são continuar sendo feliz e ver a minha família feliz. Acho que isso é o que todo mundo busca. E, se Deus quiser, vou continuar assim, sendo feliz, transmitindo alegria e incentivando as pessoas; dando e recebendo uma força. Tenho muitos amigos e graças a Deus a gente se reúne bastante. Quero continuar assim e pretendo continuar assim. Bola pra frente que atrás vem gente! Rindo ou chorando, a vida passa do mesmo jeito. A gente não pode desperdiçar o tempo.

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